Os amigos se vão…

Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral
Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral

A despedida faz parte da vida, porém sempre é muito sentida.

No domingo perdi mais um amigo. Uma pessoa muito importante em um período da minha vida. O ator e diretor de teatro Elvécio Guimarães. Tinha muito tempo que não o via, porém tinha um lugar especial no meu coração.

Estava doente, enfisema pulmonar por causa do cigarro. Se um fumante visse como é a morte de alguém que está com enfisema, penso que largaria o cigarro na hora. O velório e enterro foram no mesmo dia, infelizmente só tomei conhecimento à noite, estava de plantão com minha mãe, no sitio. Não pude ir prestar minha última homenagem, o que me deixa mais triste ainda. Também não foi possível abraçar minha amiga Heloisa Aline que perdeu sua mãe neste fim de semana.

Elvécio começou cedo nas artes. Aos 15 anos, como ator de radioteatro na Rádio Inconfidência, aos 17 já era galã. Em 1952, foi para o Rio de Janeiro e passou a integrar o elenco da Rádio Mayrink Veiga. Nessa época, fechou contato com a TV Tupi, e Rádio Globo.

Em 1955, retornou a BH e foi contratado pela TV Itacolomi, principal emissora da época. Foi apresentador, ator, narrador e redator de novelas e protagonizou o primeiro seriado da TV brasileira, Noites Mineiras, de Lea Delba, um conto de época que retratava a Belo Horizonte do início do século XX. Paralelamente à televisão e rádio, começou a dedicar-se também ao teatro.

Participou de mais de 100 espetáculos como ator e diretor. Foi um dos responsáveis pela criação da Escola de Teatro do Centro de Formação Artística (Cefar) do Palácio das Artes, onde trabalhou durante anos como professor, sendo responsável pela formação de vários artistas no estado.

Sempre amei teatro, desde criança atuava nas montagens no Colégio Izabela Hendrix, onde estudei quase a minha vida inteira. Adolescente, ajudei a fundar o GRITE, Grupo Izabela de Teatro Experimental, junto com a professora Marly Ferraz de Andrade – o nome fui eu que criei e foi aprovado. De lá, participei do Grupo Verbenas de Teatro Amador, junto com um grupo de amigos evangélicos. Foi muito legal. Apresentávamos no teatro do Palácio do Rádio, onde hoje é o Teatro Alterosa. Na época da censura, imagine, fazíamos ensaio para os censores e eles liberavam ou não.

Em 1982, resolvi participar do Showçaite e o diretor Márcio Machado me convidou para integrar o elenco de uma produção profissional que estava fazendo: Brasil, mame-o ou deixe-o, e eu aceitei na hora. Entrei em um mundo completamente novo, conheci pessoas queridas que trago comigo até hoje. Amigos que mesmo distantes quando encontramos damos boas risadas, como Amauri Reis, Kalluh Araújo, Inês Peixoto, Wilma Patrícia, Célia Thais, Dílson Mayron, Beth Coelho. De lá veio o convite do Roberto Drummond para fazer sua vídeopeça Quando fui morto em Cuba.

Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso
Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso

Quando ingressamos no teatro profissional, conhecemos as pessoas e foi aí que conheci Elvécio Guimarães. Um encanto de pessoa. E dele veio o convite para fazer outro espetáculo, o Ensina-me a viver. Claro que aceitei. Trabalhar com ele seria uma honra, um aprendizado. No elenco Wilma Henriques, Juçara Costta, Célia Thais, entre outros tantos atores. Faria o papel de uma das candidatas a casar com o rapaz. Aquela que representa um trecho de Romeu e Julieta. Não achava o tom da personagem e Elvécio me fala: “Faça ela bem canastrona”. Desci do palco, fui para casa e pensei como seria, aí veio a ideia de fazer gesticulando, como fazia quando era criança, cantando músicas de na Escola Domincal, a cada palavra sempre fazíamos um gesto.

No dia seguinte, quando cheguei para o ensaio, chamei Elvécio no canto, muito tímida, e com medo de receber uma reprovação. Mostrei um trecho do que pretendia e ele enlouqueceu. Mandou todo mundo descer do palco para ficasse apenas eu ali, sozinha, ensaiando e sincronizando fala e gestos até ficar no ritmo certo. E soltou um brado: “Essa é minha garota! Parabéns!”. Fiquei tão emocionada. Fui aplaudida em cena aberta  na estreia e em praticamente todas as apresentações, quase morria de tanta emoção. E ele, da coxia, me abraça e dizia, “você é danadinha”.

Em seguida, outro convite, dessa vez para ser uma vestal em Laio ou o poder, e foi ele quem me apresentou para outro grande mestre, Otávio Cardoso, de quem tenho grande saudade. Nunca deixou de me fazer um elogio em todas as vezes que encontrou comigo, e depois que parei com teatro, o elogio vinha seguido de um puxão de orelha por ter parado, dizendo que estava desperdiçando um grande talento. Elvécio era uma peça rara. Homem de grande sensibilidade, talentoso e, como a grande maioria dos artistas mineiros, não recebeu o reconhecimento merecido. Porém, sempre será inesquecível para mim e para todos que o conheceram.

Isabela Teixeira da Costa

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