Adeus a um fiel amigo e companheiro

mussa3Ontem me despedi do meu cachorro, depois de 15 anos juntos.

Só quem tem animal de estimação entende o amor que sentimos por esses bichinhos tão especiais. Sempre gostei de cachorro. O primeiro que tive foi um Dog Alemão que ganhei de presente de Águeda Chaves e Moacir Carvalho, ficou seis meses comigo no apartamento, mas depois tive que levar para o sitio, porque cresceu demais. Viveu anos.

Depois ganhei uma Cocker spaniel inglês dourado da Solange, mulher do Oldack Steves, mas infelizmente, depois de alguns anos me mudei e era proibido ter animais. Doei para uma família e amigos, que gostavam muito dela.

Aí tive uma yorkshire, a Sofia, linda demais, só faltava falar. Infelizmente foi atropelada dentro do nosso sítio. Fiquei arrasada. Jurei que nunca mais teria um cachorro, mas dois dias depois, a casa estava tão vazia que sai à procura de uma nova cadelinha e encontrei uma maltês lindinha. Por incrível que pareça ela já estava reservada para mim. Gisah Gonzaga e Marcelo Patrus me deram de presente. Clara viveu 12 anos.

Sempre tratei meus cachorros na Clínica Veterinária São Francisco de Assis. Trabalhava lá a Jurema, uma moça que era mais do que uma secretária. Resolvia todos os problemas. Vez ou outra conseguia uns convites de shows para sua filha e um dia, chega um presente dela para mim, no jornal. Era um schnauzer macho, com uns 30 dias de nascido. A coisa mais fofa.

Não queria ficar com ele porque tinha uma fêmea, a Clara. Como ficar com um casal, de raças diferentes dentro de um apartamento? Impossível. Mas quando cheguei em casa a minha filha caiu de amores pelo pequeno. Já foi logo colocando nome: Mussarela. Isso mesmo, com SS e não com Ç como é o certo, mas acho muito feio e como é nome próprio, podemos escrever do jeito que quiser.

E ele ficou. Se tornou o rei da casa. Carente, engraçado, como uma orelha tão grande que apelidamos de cãolicóptero, e pulava tão alto que era um verdadeiro cãoguru. Mas nunca vi um cachorro com tanta sensibilidade. Quando chorava ele lambia nossa lágrima. Se eu adoecia, ele não saia do meu lado nem para comer.

Quando chegou deu muito trabalho para a Clara, que era uma verdadeira lady e já estava mais velha, e não tinha muita paciência com filhote, mas ele a protegia. Sempre deixava que ela comesse primeiro, um chantleman.

mussa1Quando Clara se foi ele ficou tão amuado que comprei uma fêmea da mesma raça que ele. Quem sabe poderiam namorar. Chegou a Leka, tirou o sossego dele. E ele, com uma paciência de Jó, aceitou me dividir com ela. Nunca namoraram. Ele deixou ela ocupar seu espaço, mas quando precisava sabia impor respeito.

Uma vez, levando meus cachorros ao veterinário, vi um animalzinho lá que estava irreconhecível e tantos caroços. Assim que entrei, perguntei ao Carlos Augusto qual era o problema e ele me disse que eram tumores e que os donos não aceitavam sacrificar o cachorro. Só fiquei imaginando as dores que aquele bichinho estava sentindo. Como um ser humano poderia deixar alguém que ele amava tanto, sofrer daquele jeito.

Fiz uma promessa a mim mesma: Nunca deixar um de meus cachorros sofrer daquela forma. Não poderia ser egoísta assim, afinal, quem é racional aqui sou eu e se amo tanto o meu cachorro e ele me dá tanto amor, como deixar ele ficar deformado, enfrentando dores horríveis só para tê-lo mais tempo comigo? Se não tem possibilidade de cura, eu preferiria sacrificá-lo e eu sofrer a sua perda.

Assim Mussarela se foi. Estava pele e osso, com tumor no baço e no intestino, sopro no coração. Estreitamento no reto e não conseguia mais evacuar. Não queria comer, acho que era instinto, para diminuir as dores intestinais. Depois de alguns dias internados, voltou para casa, mas não melhorou. Liguei para o veterinário e chegamos à conclusão que ele só iria piorar e sofrer mais ainda e a solução seria sacrificá-lo.

Sei que foi a decisão correta, fiquei ao seu lado até ele dormir, mas como dói. Despedir de um amigo, de um companheiro de quase 16 anos, que nunca negou um carinho, uma manifestação de amor, que sabia me alegrar e que quando não conseguia, me fazia companhia na minha tristeza, porém nunca me deixou na solidão.

Isabela Teixeira da Costa

Os amigos se vão…

Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral
Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral

A despedida faz parte da vida, porém sempre é muito sentida.

No domingo perdi mais um amigo. Uma pessoa muito importante em um período da minha vida. O ator e diretor de teatro Elvécio Guimarães. Tinha muito tempo que não o via, porém tinha um lugar especial no meu coração.

Estava doente, enfisema pulmonar por causa do cigarro. Se um fumante visse como é a morte de alguém que está com enfisema, penso que largaria o cigarro na hora. O velório e enterro foram no mesmo dia, infelizmente só tomei conhecimento à noite, estava de plantão com minha mãe, no sitio. Não pude ir prestar minha última homenagem, o que me deixa mais triste ainda. Também não foi possível abraçar minha amiga Heloisa Aline que perdeu sua mãe neste fim de semana.

Elvécio começou cedo nas artes. Aos 15 anos, como ator de radioteatro na Rádio Inconfidência, aos 17 já era galã. Em 1952, foi para o Rio de Janeiro e passou a integrar o elenco da Rádio Mayrink Veiga. Nessa época, fechou contato com a TV Tupi, e Rádio Globo.

Em 1955, retornou a BH e foi contratado pela TV Itacolomi, principal emissora da época. Foi apresentador, ator, narrador e redator de novelas e protagonizou o primeiro seriado da TV brasileira, Noites Mineiras, de Lea Delba, um conto de época que retratava a Belo Horizonte do início do século XX. Paralelamente à televisão e rádio, começou a dedicar-se também ao teatro.

Participou de mais de 100 espetáculos como ator e diretor. Foi um dos responsáveis pela criação da Escola de Teatro do Centro de Formação Artística (Cefar) do Palácio das Artes, onde trabalhou durante anos como professor, sendo responsável pela formação de vários artistas no estado.

Sempre amei teatro, desde criança atuava nas montagens no Colégio Izabela Hendrix, onde estudei quase a minha vida inteira. Adolescente, ajudei a fundar o GRITE, Grupo Izabela de Teatro Experimental, junto com a professora Marly Ferraz de Andrade – o nome fui eu que criei e foi aprovado. De lá, participei do Grupo Verbenas de Teatro Amador, junto com um grupo de amigos evangélicos. Foi muito legal. Apresentávamos no teatro do Palácio do Rádio, onde hoje é o Teatro Alterosa. Na época da censura, imagine, fazíamos ensaio para os censores e eles liberavam ou não.

Em 1982, resolvi participar do Showçaite e o diretor Márcio Machado me convidou para integrar o elenco de uma produção profissional que estava fazendo: Brasil, mame-o ou deixe-o, e eu aceitei na hora. Entrei em um mundo completamente novo, conheci pessoas queridas que trago comigo até hoje. Amigos que mesmo distantes quando encontramos damos boas risadas, como Amauri Reis, Kalluh Araújo, Inês Peixoto, Wilma Patrícia, Célia Thais, Dílson Mayron, Beth Coelho. De lá veio o convite do Roberto Drummond para fazer sua vídeopeça Quando fui morto em Cuba.

Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso
Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso

Quando ingressamos no teatro profissional, conhecemos as pessoas e foi aí que conheci Elvécio Guimarães. Um encanto de pessoa. E dele veio o convite para fazer outro espetáculo, o Ensina-me a viver. Claro que aceitei. Trabalhar com ele seria uma honra, um aprendizado. No elenco Wilma Henriques, Juçara Costta, Célia Thais, entre outros tantos atores. Faria o papel de uma das candidatas a casar com o rapaz. Aquela que representa um trecho de Romeu e Julieta. Não achava o tom da personagem e Elvécio me fala: “Faça ela bem canastrona”. Desci do palco, fui para casa e pensei como seria, aí veio a ideia de fazer gesticulando, como fazia quando era criança, cantando músicas de na Escola Domincal, a cada palavra sempre fazíamos um gesto.

No dia seguinte, quando cheguei para o ensaio, chamei Elvécio no canto, muito tímida, e com medo de receber uma reprovação. Mostrei um trecho do que pretendia e ele enlouqueceu. Mandou todo mundo descer do palco para ficasse apenas eu ali, sozinha, ensaiando e sincronizando fala e gestos até ficar no ritmo certo. E soltou um brado: “Essa é minha garota! Parabéns!”. Fiquei tão emocionada. Fui aplaudida em cena aberta  na estreia e em praticamente todas as apresentações, quase morria de tanta emoção. E ele, da coxia, me abraça e dizia, “você é danadinha”.

Em seguida, outro convite, dessa vez para ser uma vestal em Laio ou o poder, e foi ele quem me apresentou para outro grande mestre, Otávio Cardoso, de quem tenho grande saudade. Nunca deixou de me fazer um elogio em todas as vezes que encontrou comigo, e depois que parei com teatro, o elogio vinha seguido de um puxão de orelha por ter parado, dizendo que estava desperdiçando um grande talento. Elvécio era uma peça rara. Homem de grande sensibilidade, talentoso e, como a grande maioria dos artistas mineiros, não recebeu o reconhecimento merecido. Porém, sempre será inesquecível para mim e para todos que o conheceram.

Isabela Teixeira da Costa