Adeus ao mestre

Hoje, perdemos uma das pessoas mais representativas no cenário da educação, o prof. Ulisses Panisset. Deixa muita saudade.

A cada dia somos surpreendidos. Algumas dessas surpresas são positivas e alegres, infelizmente, outras trazem profunda tristeza. Acordei feliz hoje, me aprontei para o trabalho com ânimo porque meu dia será cheio, sem tempo para respirar, e, de repente, recebo uma mensagem de WhatsApp de uma amiga dizendo que o Professor Ulisses Panisset havia falecido de madrugada.

O dia que estava azul, ficou cinza.

Sabe aquele homem que foi referência na sua vida? Aquela pessoa que você acha que nunca vai morrer? Foi ele. Homem íntegro, delicado, educado, simpático, gentil, de um cavalheirismo ímpar e ainda por cima lindo demais. Inteligente e culto ao extremo. Doutor em educação, e de uma sabedoria invejável.

Estudei minha vida inteira no Colégio Izabela Hendrix, hoje, Instituto Metodista Izabela Hendrix e Centro Universitário. Entrei no jardim de infância e segui até o segundo grau. Durante todo este tempo ele era o reitor de lá.

Não esqueço sua sala, enorme – talvez por eu ser pequena demais, tudo parece maior do que é – , tinha uma mesa de centro com um aquário no meio, cheio de lindos peixinhos. Era seu xodó.

Ele era tão gentil, que quando a professora ameaçava nos mandar para sala do vice-reitor, o Professor Andrade, tremíamos toda (ele era bravo e carrancudo), mas quando ameaçavam mandar para a sala do Panisset, tenho que confessar, fazíamos cara de assustadas, mas adorávamos, porque ele nos corrigia com amor.

Quando tive minha filha, não pestanejei, a levei para estudar lá. Desde que eu era adolescente e até o último dia de estudo da Luisa (ela entrou no jardim e formou em arquitetura no Izabela, depois fez teologia), sempre que encontrava comigo, até mesmo nas reuniões de pais, falava para todo mundo ouvir que tinha orgulho porque todos da minha família estudaram naquele colégio.

O Professor contava na maior alegria, e rindo muito: “Essa moça aqui é especial, está conosco desde criança. Toda a família estudou aqui, os irmãos, a irmã e ela. E até seus pais, quando abrimos a faculdade de Letras. Sua mãe Nerly resolveu fazer o curso e o pai, Camilo, enciumado, decidiu acompanhar a mulher, mas era executivo muito ocupado, faltava muito às aulas e tive que reprová-lo por frequência”. E ria muito, provavelmente relembrando, em sua mente, a conversa com meu pai, que era seu amigo, que não passaria para o próximo ano.

Tornamos-nos amigos. Já desabafei com ele, contei segredos e ele sempre me aconselhando com ternura e sabedoria. Casos que ele levou para si. Com frequência encontrávamos na hora do almoço no restaurante Graciliano, de Lourdes, sentávamos juntos e batíamos longos papos sobre assuntos atuais e também lembranças e histórias que o tempo levou. O último encontro foi lá. Eu estava com minha amiga Sandra Botrel, que ficou encantada com ele. Não me surpreende, ele era encantador. E ainda por cima, conheceu o pai dela, Pérides Silva, aí a conversa foi mais longe ainda.

São estas e muitas outras lembranças que vou levar para o resto da minha vida. Ele agora está nos braços do Pai. Descanse em paz, meu Mestre.

 

Isabela Teixeira da Costa

Adeus a um fiel amigo e companheiro

mussa3Ontem me despedi do meu cachorro, depois de 15 anos juntos.

Só quem tem animal de estimação entende o amor que sentimos por esses bichinhos tão especiais. Sempre gostei de cachorro. O primeiro que tive foi um Dog Alemão que ganhei de presente de Águeda Chaves e Moacir Carvalho, ficou seis meses comigo no apartamento, mas depois tive que levar para o sitio, porque cresceu demais. Viveu anos.

Depois ganhei uma Cocker spaniel inglês dourado da Solange, mulher do Oldack Steves, mas infelizmente, depois de alguns anos me mudei e era proibido ter animais. Doei para uma família e amigos, que gostavam muito dela.

Aí tive uma yorkshire, a Sofia, linda demais, só faltava falar. Infelizmente foi atropelada dentro do nosso sítio. Fiquei arrasada. Jurei que nunca mais teria um cachorro, mas dois dias depois, a casa estava tão vazia que sai à procura de uma nova cadelinha e encontrei uma maltês lindinha. Por incrível que pareça ela já estava reservada para mim. Gisah Gonzaga e Marcelo Patrus me deram de presente. Clara viveu 12 anos.

Sempre tratei meus cachorros na Clínica Veterinária São Francisco de Assis. Trabalhava lá a Jurema, uma moça que era mais do que uma secretária. Resolvia todos os problemas. Vez ou outra conseguia uns convites de shows para sua filha e um dia, chega um presente dela para mim, no jornal. Era um schnauzer macho, com uns 30 dias de nascido. A coisa mais fofa.

Não queria ficar com ele porque tinha uma fêmea, a Clara. Como ficar com um casal, de raças diferentes dentro de um apartamento? Impossível. Mas quando cheguei em casa a minha filha caiu de amores pelo pequeno. Já foi logo colocando nome: Mussarela. Isso mesmo, com SS e não com Ç como é o certo, mas acho muito feio e como é nome próprio, podemos escrever do jeito que quiser.

E ele ficou. Se tornou o rei da casa. Carente, engraçado, como uma orelha tão grande que apelidamos de cãolicóptero, e pulava tão alto que era um verdadeiro cãoguru. Mas nunca vi um cachorro com tanta sensibilidade. Quando chorava ele lambia nossa lágrima. Se eu adoecia, ele não saia do meu lado nem para comer.

Quando chegou deu muito trabalho para a Clara, que era uma verdadeira lady e já estava mais velha, e não tinha muita paciência com filhote, mas ele a protegia. Sempre deixava que ela comesse primeiro, um chantleman.

mussa1Quando Clara se foi ele ficou tão amuado que comprei uma fêmea da mesma raça que ele. Quem sabe poderiam namorar. Chegou a Leka, tirou o sossego dele. E ele, com uma paciência de Jó, aceitou me dividir com ela. Nunca namoraram. Ele deixou ela ocupar seu espaço, mas quando precisava sabia impor respeito.

Uma vez, levando meus cachorros ao veterinário, vi um animalzinho lá que estava irreconhecível e tantos caroços. Assim que entrei, perguntei ao Carlos Augusto qual era o problema e ele me disse que eram tumores e que os donos não aceitavam sacrificar o cachorro. Só fiquei imaginando as dores que aquele bichinho estava sentindo. Como um ser humano poderia deixar alguém que ele amava tanto, sofrer daquele jeito.

Fiz uma promessa a mim mesma: Nunca deixar um de meus cachorros sofrer daquela forma. Não poderia ser egoísta assim, afinal, quem é racional aqui sou eu e se amo tanto o meu cachorro e ele me dá tanto amor, como deixar ele ficar deformado, enfrentando dores horríveis só para tê-lo mais tempo comigo? Se não tem possibilidade de cura, eu preferiria sacrificá-lo e eu sofrer a sua perda.

Assim Mussarela se foi. Estava pele e osso, com tumor no baço e no intestino, sopro no coração. Estreitamento no reto e não conseguia mais evacuar. Não queria comer, acho que era instinto, para diminuir as dores intestinais. Depois de alguns dias internados, voltou para casa, mas não melhorou. Liguei para o veterinário e chegamos à conclusão que ele só iria piorar e sofrer mais ainda e a solução seria sacrificá-lo.

Sei que foi a decisão correta, fiquei ao seu lado até ele dormir, mas como dói. Despedir de um amigo, de um companheiro de quase 16 anos, que nunca negou um carinho, uma manifestação de amor, que sabia me alegrar e que quando não conseguia, me fazia companhia na minha tristeza, porém nunca me deixou na solidão.

Isabela Teixeira da Costa

Lembranças da minha escola

ihO que vivemos no colégio não esquecemos nunca.

No domingo fui almoçar com uma amiga e tive o prazer de reencontrar com uma pessoa muito querida, que de certa forma fez parte da minha vida por muitos anos: professor Ulisses de Oliveira Panisset. Foi reitor do Colégio Metodista Izabela Hendrix, hoje, Instituto e Centro Universitário.

Ele é um querido de todos os alunos, professores e funcionários que passaram por lá durante sua gestão. Entrei no Izabela criança. Fiz o maternal no Instituo Brasil, mas no jardim de infância fui para lá e não saí mais. Fui aluna de inúmeras professoras e professores que guardo no coração até hoje.

Não esqueço do saudoso professor Vinagre, de matemática, gostava muito de mim. Até hoje não entendo o porquê. Nos dias de calor me colocava assentada na frente da porta para que eu ficasse na corrente de ar. Quando a aula era no horário que antecedia o recreio sempre me dava um dinheiro e pedia que eu buscasse para ele um salgado e um refrigerante na cantina, e completava: “E um para você também”. Não adiantava dizer que não queria e não precisava, a resposta era sempre a mesma: “é ordem de professor e não se discute”. Até hoje sinto não ter ficado sabendo quando faleceu, pois não pude prestar minha última homenagem.

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Professor Panisset Foto Estado de Minas

Voltando ao Prof. Panisset, já tinha encontrado com ele outras vezes neste restaurante, porém sempre estava acompanhando, então só nos cumprimentávamos. Desta vez estava sozinho e depois assentou em nossa mesa e batemos um longo papo. No alto de seus 91 anos, relembramos bons momentos do colégio.

A primeira coisa que disse foi: “A sua família inteira estudou no Izabela, e foi a única até hoje a fazer isso”, afirmou orgulhoso. Meus dois irmãos, Camilo Filho e Renato fizeram o primário lá, depois mudaram para o Santo Antônio. Regina e eu entramos no jardim e seguimos. Regina, mais tarde foi para o Pitágoras. Assim que abriram a faculdade de Letras minha mãe se matriculou e meu pai, não sei se por ciúmes  – professor Panisset garante que sim -, ou por companheirismo se matriculou também. Mas depois, meu pai tomou bomba por freqüência, e desistiu. Ele saía muito tarde do jornal onde já era diretor Executivo, e sempre perdia a primeira aula.

Continuamos os casos. A sala dele tinha uma mesa de centro linda com um aquário. Lembramos de certa vez, que minha prima – que também estudava lá – foi expulsa da sala de aula e mandada para a sala dele. Ele precisou sair por um minutinho e pediu que ela ficasse esperando. Quando retornou, ela não estava mais lá, e os peixinhos estavam sobre a mesa, mortos. Foi a gota d’água e ela foi convidada e se retirar da escola.

Professor Panisset nos contou que tinha uma aluna estrangeira, filha de um grande executivo que estava trabalhando no Brasil. Ela era simpática, comunicativa, querida por todos os professores e colegas. Certo dia, a cantina aumentou o preço do cachorro quente e a menina ficou transtornada. Tomou uma atitude de revolta que surpreendeu a todos. Na época, a cantina ficava debaixo do teatro, então ela subiu as escadas de acesso à entrada lateral do teatro, dependurou uma corda formando uma forca e anunciou que quem entrasse na cantina seria enforcado. A coisa ficou preta, porque ela estava bravíssima e falava sério.

Chamaram correndo o professor Panisset. Quando ele chegou ela se sentiu intimidada, ficou mais mansa e acabou atendendo seu chamado, acompanhando-o até sua sala. Ele pediu que chamassem o pai da garota que era alemão. Em meia hora ele chegou, ouviu o relato e foi logo tirando o cinto para dar uma surra na filha. Foi impedido por Panisset, que retirou a garota de sua sala e teve uma conversa com o homem, explicando que a menina deveria estar com algum problema, pois a reação que ela teve não condizia com seu comportamento habitual. O empresário tirou a menina do colégio. Graças a Deus ouviu os conselhos do nosso reitor. Um ano depois, a moça retornou ao Izabela e contou sua história.

Estava com um tumor no cérebro, que tinha provocado tal mudança de temperamento. Foi operada na Suiça, onde continuou dando prosseguimento aos seus estudos. Uma vida foi salva graças à percepção do Panisset por sua grande experiência.

Até hoje, tenho amigos que fiz no Izabela. Depois conto mais. Tempo bom, que não volta mais.

Isabela Teixeira da Costa

Os amigos se vão…

Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral
Elvécio com outro grande talento: Ílvio Amaral

A despedida faz parte da vida, porém sempre é muito sentida.

No domingo perdi mais um amigo. Uma pessoa muito importante em um período da minha vida. O ator e diretor de teatro Elvécio Guimarães. Tinha muito tempo que não o via, porém tinha um lugar especial no meu coração.

Estava doente, enfisema pulmonar por causa do cigarro. Se um fumante visse como é a morte de alguém que está com enfisema, penso que largaria o cigarro na hora. O velório e enterro foram no mesmo dia, infelizmente só tomei conhecimento à noite, estava de plantão com minha mãe, no sitio. Não pude ir prestar minha última homenagem, o que me deixa mais triste ainda. Também não foi possível abraçar minha amiga Heloisa Aline que perdeu sua mãe neste fim de semana.

Elvécio começou cedo nas artes. Aos 15 anos, como ator de radioteatro na Rádio Inconfidência, aos 17 já era galã. Em 1952, foi para o Rio de Janeiro e passou a integrar o elenco da Rádio Mayrink Veiga. Nessa época, fechou contato com a TV Tupi, e Rádio Globo.

Em 1955, retornou a BH e foi contratado pela TV Itacolomi, principal emissora da época. Foi apresentador, ator, narrador e redator de novelas e protagonizou o primeiro seriado da TV brasileira, Noites Mineiras, de Lea Delba, um conto de época que retratava a Belo Horizonte do início do século XX. Paralelamente à televisão e rádio, começou a dedicar-se também ao teatro.

Participou de mais de 100 espetáculos como ator e diretor. Foi um dos responsáveis pela criação da Escola de Teatro do Centro de Formação Artística (Cefar) do Palácio das Artes, onde trabalhou durante anos como professor, sendo responsável pela formação de vários artistas no estado.

Sempre amei teatro, desde criança atuava nas montagens no Colégio Izabela Hendrix, onde estudei quase a minha vida inteira. Adolescente, ajudei a fundar o GRITE, Grupo Izabela de Teatro Experimental, junto com a professora Marly Ferraz de Andrade – o nome fui eu que criei e foi aprovado. De lá, participei do Grupo Verbenas de Teatro Amador, junto com um grupo de amigos evangélicos. Foi muito legal. Apresentávamos no teatro do Palácio do Rádio, onde hoje é o Teatro Alterosa. Na época da censura, imagine, fazíamos ensaio para os censores e eles liberavam ou não.

Em 1982, resolvi participar do Showçaite e o diretor Márcio Machado me convidou para integrar o elenco de uma produção profissional que estava fazendo: Brasil, mame-o ou deixe-o, e eu aceitei na hora. Entrei em um mundo completamente novo, conheci pessoas queridas que trago comigo até hoje. Amigos que mesmo distantes quando encontramos damos boas risadas, como Amauri Reis, Kalluh Araújo, Inês Peixoto, Wilma Patrícia, Célia Thais, Dílson Mayron, Beth Coelho. De lá veio o convite do Roberto Drummond para fazer sua vídeopeça Quando fui morto em Cuba.

Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso
Elvécio, na época da TV Itacolomi, com Otávio Cardoso

Quando ingressamos no teatro profissional, conhecemos as pessoas e foi aí que conheci Elvécio Guimarães. Um encanto de pessoa. E dele veio o convite para fazer outro espetáculo, o Ensina-me a viver. Claro que aceitei. Trabalhar com ele seria uma honra, um aprendizado. No elenco Wilma Henriques, Juçara Costta, Célia Thais, entre outros tantos atores. Faria o papel de uma das candidatas a casar com o rapaz. Aquela que representa um trecho de Romeu e Julieta. Não achava o tom da personagem e Elvécio me fala: “Faça ela bem canastrona”. Desci do palco, fui para casa e pensei como seria, aí veio a ideia de fazer gesticulando, como fazia quando era criança, cantando músicas de na Escola Domincal, a cada palavra sempre fazíamos um gesto.

No dia seguinte, quando cheguei para o ensaio, chamei Elvécio no canto, muito tímida, e com medo de receber uma reprovação. Mostrei um trecho do que pretendia e ele enlouqueceu. Mandou todo mundo descer do palco para ficasse apenas eu ali, sozinha, ensaiando e sincronizando fala e gestos até ficar no ritmo certo. E soltou um brado: “Essa é minha garota! Parabéns!”. Fiquei tão emocionada. Fui aplaudida em cena aberta  na estreia e em praticamente todas as apresentações, quase morria de tanta emoção. E ele, da coxia, me abraça e dizia, “você é danadinha”.

Em seguida, outro convite, dessa vez para ser uma vestal em Laio ou o poder, e foi ele quem me apresentou para outro grande mestre, Otávio Cardoso, de quem tenho grande saudade. Nunca deixou de me fazer um elogio em todas as vezes que encontrou comigo, e depois que parei com teatro, o elogio vinha seguido de um puxão de orelha por ter parado, dizendo que estava desperdiçando um grande talento. Elvécio era uma peça rara. Homem de grande sensibilidade, talentoso e, como a grande maioria dos artistas mineiros, não recebeu o reconhecimento merecido. Porém, sempre será inesquecível para mim e para todos que o conheceram.

Isabela Teixeira da Costa