Agora, lei cuida de bullying e ciberbullying.
Sempre existiu implicância entre crianças. Umas bobinhas, outras mais pesadas. É só perguntar para quem tem apelido. 90% dos casos o apelido foi criado como motivo de implicância e só pegou porque a outra parte achou ruim, se irritou. A receita era garantida: não gostou do apelido, pegou. Quem não ligava, o novo apelido estava fadado ao fracasso, não colava. Coitado do criativo colega que inventava, ficava na maior frustração.
Com o passar das décadas e a evolução da sociedade começou o “politicamente correto”. Pronto, depois disso não podia se falar mais nada, tudo era “politicamente incorreto”. Por décadas o nome do programa de responsabilidade social do jornal Estado de Minas era Jornada pelo Natal do Menor, teve que mudar para Criança, porque menor era incorreto.
Para os humoristas foi outro grande problema, pois se viram cerceados em seu trabalho – nada mais era permitido, tudo recriminado –, qualquer piada que faziam era preconceito e bullying e um imenso mar de oportunidades se abriu para os maldosos colegas. O que era implicância quase inocente virou bullying da pior espécie.
Vamos concordar que tem muita criança que é maldosa, acho que faz parte da natureza humana, porém, nem tudo que elas fazem é por maldade, às vezes por simples brincadeira inocente, só para implicar mesmo. Mas agora, tudo virou provocação maldosa. Gordinho, narigudo, muito magro, negro, muito alto, baixinho, tímido, estudioso, usa óculos, até mesmo o que tem muita espinha (natural em determinada época da adolescência). Tudo é motivo para o bullying.
Para combater esse problema foi que lei de número 13.185, sancionada em novembro de 2015, entrou em vigor em fevereiro deste ano e agora as escolas, agremiações recreativas e clubes podem ser responsabilizados civilmente por omissão em casos que envolvam práticas de bullying em suas dependências.
Para quem não sabe ainda, a lei institui o Programa de Prevenção e Combate ao Bullying presencial e digital. Bullying é definido como a prática de atos de violência física ou psíquica exercidos intencional e repetidamente por um indivíduo ou grupo contra uma ou mais pessoas com o objetivo de intimidar ou agredir, causando dor e angústia à vítima.
As escolas têm o dever de se enquadrar às exigências da nova lei e o seu não cumprimento poderá caracterizar “defeito” na prestação dos serviços educacionais. A lei trabalha com o objetivo de não minimizar os efeitos e riscos decorrentes de incidentes entre os alunos, como também, a capacitação do corpo docente para que tome as providências necessárias para o afastamento da responsabilização civil da instituição de ensino (o que também se aplica aos clubes e agremiações recreativas).
A criança ou o adolescente que sofrer ou presenciar o bullying deve buscar orientação com seus pais e educadores, e eles devem agir promovendo auxílios psicológico, jurídico e social que forem necessários, acolhendo e orientando a vítima e o agressor, para acabar, o quanto antes, com a prática do bullying e minimizar os danos.
Não tiro a importância da lei, e penso que ela deve estar funcionando, pois desde fevereiro não ouvi mais falar dela, nem mal, nem bem. Nem mesmo uma única denuncia de alguém ter denunciado uma agressão e não ter sido atendido, porém ressalto o exagero de classificar tudo como bullying.
Em março de 2012, Augusto Martini escreveu uma crônica sobre sua infância que correu a internet, e acho muito apropriada reproduzir trechos dela aqui.
“Cai uma chuva torrencial lá fora. (…) Por um instante fiquei lembrando de minha infância, em Rio Claro, nos anos 60 e 70. Chuva era sinônimo de diversão! Andar de bicicleta sentindo a chuva bater forte no rosto, brincar na enxurrada – correndo na água ou soltando barquinhos de papel.
Quem foi criança nos anos 60 e 70, sabia o que era brincar, sim senhor!
Tudo muito simples – latinhas, pneus velhos, jornais, folhas usadas de caderno – e brincadeiras aconteciam.
Uma latinha com água, um talo de mamona ou de mamoeiro (ou pedaço de mangueira de jardim) e sabão em pó. Pronto! Estava pronta a brincadeira. Era só enfiar o canudo na água ensaboada e soprar. Dezenas de bolinhas transparentes bailavam no ar até estourar. Confesso que, por diversas vezes, engoli a água com sabão. Fazíamos competições – quem fazia a bolha maior? Naquela época era simples fazer uma criança feliz!
Tudo se transformava em brinquedo ou brincadeira, graças a nossa criatividade. Diversão garantida por um longo período.
(…)Tive muitos amigos, brincávamos juntos (meninas e meninos), brigávamos muito (meia hora depois, ficávamos “de bem”), dividíamos brinquedos e guloseimas. Tive apelidos, coloquei apelidos e, tudo bem? Não se conhecia a palavra bullying, e essas perseguições vergonhosas ainda não era coisa que traumatizava tanto.
Ralei joelho, arranquei a tampa do dedão, furei o pé com prego enferrujado, briguei na rua, toquei campainha e saí correndo, roubei jabuticabas no caminho da escola, fiquei de castigo, apanhei de chinelo, de cinto, de vara.
Brinquei de pega-pega, mãe-da-rua, esconde-esconde, passa-anel, balança-caixão, morto-vivo, batata-quente, adoletá, cobra-cega, nós quatro, pula-sela, cama-de-gato, policia e ladrão, pular corda, pião, bolinha de gude, rodei pneu, tive balanço no flamboyant que tinha em frente a minha casa e muito, muito mais. Brinquei na terra, no barro, na lama, na areia, peguei peixinho e girino no rio, coloquei chinelo na enxurrada, fiz barquinho de papel. Fiz e soltei muita pipa!
Corri atrás do carrinho de algodão-doce, sorveteiro e do homem do quebra-queixo.
Tomei banho de mangueira, de bacia (não tinha chuveiro em minha casa), tomei banho no tanque de lavar roupa.
(…)Isso sim foi infância! Sem essas armadilhas tecnológicas que prendem as crianças em frente à TV, ao computador ou vídeo game. Aliás, não tinha TV em casa. Quando assistia ao Túnel do Tempo, Viagem ao fundo do mar, Perdidos no espaço, era na casa da Tia Nica, uma simpática velhinha que recolhia a mim e a minhas irmãs na sala da casa dela. Lá, tomamos Tubaína pela primeira vez!
Criança brincava com criança, com ou sem brinquedo. Usávamos a imaginação e criatividade.
Quando ganhávamos um presente e que nunca era o que queríamos, aceitávamos, pois era o que os pais podiam dar – e éramos gratos por isso.
Eu fui uma criança feliz! Por esse motivo, eu sou um adulto feliz! Simples, não é mesmo?
E você, o que pode me contar de sua infância?”
Simples assim, apelido não era bullying, apanhar de pais não era espancamento, mas correção e educação. Ouvir não e não ganhar o que queria, não tinha problema, aprendemos a ter limites, tudo isso fazia parte da formação do caráter de um ser humano.
Isabela Teixeira da Costa