Moda para pensar

Ronaldo Fraga desfila coleção inédita contra xenofobia, em Buenos Aires, e valoriza as raízes dos imigrantes e povos originários da América do Sul.

Ronaldo Fraga e os modelos

Muita gente por aí acha que roupa é apenas algo para se cobrir e não sair nu pela rua. Porém, é muito mais do que isso, o mercado da moda movimenta trilhões de dólares por ano no mundo todo. Até esses “desinformados” ou indiferentes que pensam que usam qualquer coisa e tudo bem, vestem de acordo com o que a moda dita, pois os lojistas compram o que o mercado oferece, e só oferta o que a moda dita. Bonito ou feio, foi ditado pela moda. Clássico ou de vanguarda? A moda ditou. Acabou por aí? Não.

A moda tem desempenhado um papel que vai além do estilo. Tem levantado bandeiras, gritado alto contra preconceitos e tem conseguido se fazer ouvir. Podemos buscar exemplos longe como a nova coleção de acessórios do designer francês Christian Louboutin que tem como conceito e slogan “Olhos e coração abertos, e por favor, sem selfies!”, em um protesto contra o excesso de exposição e o distanciamento das relações pessoais. Mas prefiro destacar a prata da casa: o estilista Ronaldo Fraga, que há algum tempo tem surpreendido em seus desfiles que destacam problemas que na maioria das vezes a sociedade finge não enxergar, ou rejeita abertamente, como questões ambientais, sociais e de preconceito.

A mais nova bandeira levantada pelo mineiro foi contra a xenofobia, em seu desfile na Bienal Internacional de Arte Contemporânea (BIENALSUR), em Buenos Aires. O evento mostrou que moda está intrinsecamente ligada à arte, quando alguns criadores encontram nos desenhos de suas roupas um meio para expressar com arte as inquietudes da vida.

A visão diferenciada da BIENALSUR, que é realizada em 16 países simultaneamente, com mais de 100 exposições de arte urbana, performances e mostras de vídeos às coleções de importantes museus – teve um de seus grandes momentos com a abertura da mostra Gênesis – Cultura sem Fronteiras, do estilista Ronaldo Fraga, no Hotel dos Imigrantes de Buenos Aires, sede principal da bienal. Atletas, escritores, artistas plásticos e diversas personalidades da Argentina fizeram parte da performance criada pelo estilista, que expressou e reivindicou a riqueza cultural dos sul-americanos, através de uma coleção inspirada em ampla pesquisa antropológica dos saberes dos povos originários e dos que chegaram a este continente. Esse caldeirão de origens – no momento em que cresce a xenofobia, o medo e a rejeição ao outro – foi traduzido no desfile no qual Fraga incluiu quatro jovens estilistas argentinos que, em apenas 24 horas, transformaram um vestido branco de sua criação em “tela” artística, em processo documentado ao vivo.

Isabela Teixeira da Costa

Fumec Forma Moda

Na próxima terça-feira, 13 de dezembro, o Alta Vila será cenário de mais uma edição do Fumec Forma Moda, que já faz parte do calendário fashion de Belo Horizonte. O desfile que já está em sua 24ª edição é promovido para que os formandos do curso de Design de Moda da faculdade apresentem o seu TCC- Trabalho de Conclusão de Curso.

Os desfiles contam com uma produção profissional, encampada por instituições e nomes conceituados no mercado, como a Voltz Design, representada por Alessandra Martins, e encarregada da coordenação geral e produção executiva do evento. A concepção é dos professores Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador do curso, e Rosângela Brandão Mesquita.

O projeto do conjunto montado no quarto andar da torre Alta Vila, incluindo a sala de desfiles é assinado pela premiada arquiteta Isabela Vecci. Rodrigo Cezário assina a direção dos desfiles e Cacá Zech a beleza (cabelos e make up). Assessoria de imprensa Salamandra, de Heloisa Aline.

São 15 formandos a desfilar suas criações, porém, duas alunas – Mariana Figueiredo e Raíssa Cunha – preferiram fazer um documentário e uma exposição.

Desfiles

Foto: Luiza Ananias
Foto: Luiza Ananias

Mariana Lucchesi  criou a coleção Null & Filled

Segundo a aluna, as normas heteronormativas possuem um domínio que se estende aos hábitos de consumo e ditam como e o que se deve consumir. Nos supermercados as prateleiras são recheadas de produtos rosa “para ela” e produtos azuis “para ele”. As lojas de departamento são segmentadas por sexo e o resultado disso é necessariamente um mercado excludente.

A coleção Null & Filled de Mariana Lucchesi surge a partir dessa temática com o objetivo de criar uma roupa liberta de estereótipos. Mesclando estéticas antagônicas que permeiam entre o feminino e masculino, o maximalismo e o minimalismo. O conjunto tem como tecido base à malha de tricô que é explorada tanto sozinha ou com couro. A cartela de cores vem de antemão à estética genderless minimalista: é alegre e se manifesta em forma de blocos, listras e jacquard. Os destaques são as mesclas entre os tons de azul, bege, vermelho e preto.

Nunca vi prateleiras de supermercado com produtos cor de rosa e azuis. Ou essa moça nunca foi em um supermercado na vida, ou só passou na gôndola de bebês, ou confundiu supermercado com alguma outra loja.

 

camila
Foto: Célio Alves

Camila Jeunon criou a coleção Narciso

A coleção aborda um assunto restrito e pouco divulgado: o don-juanismo feminino. Embora seja o homem sempre o apontado como o vilão, nesse caso será ela, a mulher don Juan, que se mostrará poderosa, engenhosa, hábil, perspicaz e irresistivelmente manipuladora e sedutora

Com o intuito de se mostrar e seduzir, a mulher don-juanista atrai o espectador e, ao mesmo tempo, o repulsa com suas roupas que funcionam como verdadeiras armaduras.

Através do plissado, esconde o corpo; nas transparências, se expõe e seduz; e para manter o mistério, usa o bordado irisado, que camufla e prende a atenção.

 

opostos
Foto: Filipe Rivelli

Olivia Curty desenvolveu a coleção Opostos Complementares

O contraste entre matérias-primas foi o ponto de partida para a criação da coleção de roupas e acessórios. A jovem estilista explora a beleza do trabalho manual, que aparece em crochê desenvolvido com ráfia e tricô que imita pele, aliados a tecidos de alfaiataria e couro ecológico. Uma textura exclusiva em conjunto com as tramas rústicas da tom à sofisticada concepção das peças. Assim como a luz e a sombra, os contrastes se completam também na moda. As modelagens minimalistas são combinadas com diferentes superfícies e cores e as transparências surgem através das tramas. Brincos e braceletes em resina e bolsas, que unem ráfia e acrílico, arrematam a coleção.

 

barbara
Foto: Filipe Rivelli

Bárbara Maldonado e sua coleção I.lludo

Inspirada em técnicas de trompe-l’oeil  a designer lança sua marca Maldô e apresenta a coleção de calçados I.lludo, criando formas que não existem realmente.

A coleção pretende romper os limites entre imagem e realidade buscando novas sensações. O trabalho em tela de pintura e tinta acrílica apresenta um novo conceito na fabricação de calçados e agrega às peças, cuidadosamente pintadas a mão, valores artísticos inovadores.

Direcionada ao público que valoriza a experimentação, aprecia arte e consome design, a I.lludo preza também pelo conforto em seus calçados. A cartela acromática varia entre o preto, branco e prata, que remetem a truques de perspectiva, luz, sombra e intensificam a sensação de ilusão.

 

ana-luizaAna Luíza Faria e a coleção Singularidades

A coleção traz a moda como elemento essencial na construção da imagem e identidade do indivíduo. Como o conceito de beleza é mutável, é através da moda que se fará a percepção da beleza. Pretende-se, assim, consolidar na prática tais conceitos, consubstanciando-os em uma coleção de moda praia.

A indagação é sobre como esse estilo se imprimirá de forma tão significativa nos remetendo à discussão sobre os padrões de beleza vigentes. Desta forma, são apresentadas peças cuja modelagem valoriza o corpo da mulher, através de criações originais, tecidos de qualidade, que tragam conforto e bem-estar à consumidora que não se enquadra no biotipo padrão.  A coleção Singularidades se diferencia pela modelagem adequada para cada tipo de corpo, com recortes inusitados, em um jogo de “mostra-esconde”, fazendo com que todas as peças tenham um ar sensual e feminino.

 

leticia
Foto: Luiza Ananias

Letícia Reis criou a coleção Resiliência

Sinais de desgaste começam a surgir e o despertar de uma mentalidade mais consciente torna-se necessária. É com este olhar que Letícia desenvolveu a coleção que propõe soluções de design com o intuito de reduzir os impactos provenientes da indústria da moda e com isso promover uma conexão mais ampla entre homem e natureza. A coleção explora uma cartela acromática com diferentes nuances de cinza e off-white.  Tecidos são manualmente desenvolvidos por meio do acúmulo de materiais como linhas e tiras de refugos têxteis. O corte reto da alfaiataria e a modelagem oversized se misturam harmonicamente entre as peças. O uso de resíduos têxteis e fibras naturais foram alternativas encontradas pela designer a fim de contribuir com o desenvolvimento sustentável da moda. O resultado é um conjunto de peças originais e alinhadas com as questões contemporâneas.

 

vitoria
Foto: Henrique Silva

Victória Brasil desenvolveu a coleção Impacto

Baseada nos modelos de libertação e de simplicidade, a coleção traz para o cenário da moda uma leitura de sustentabilidade aliada e inspirada no conceito setentista.

Influenciados pelos movimentos vanguardistas, os tecidos de fibras naturais, como o linho e a seda, trazem fluidez e leveza às peças, os shapes reforçam a sutileza da coleção, enquanto os tingimentos desenvolvidos com flores, plantas e sementes enriquecem os tecidos com suas tonalidades provenientes da natureza. A inspiração também se revela nos elementos do styling, como os tamancos em madeira crua e os acessórios criados com materiais reaproveitados.

 

axial
Foto: Júlia Lego

Rafael Rego e a coleção Axial

A coleção apresenta dualidade de formas e estética marcante. A justaposição de técnicas exatas com fluidez está presente no trabalho do designer Rafael Rêgo. A análise dos traços intrigantes das ilustrações científicas gerou conceitos de precisão e organicidade que, sobrepostos, deram origem ao trabalho.

Por definição, Axial se refere a eixo, que permeia as peças com rigor simétrico.  A cartela de cores é composta por tons de marrom e preto, gerados a partir das aquarelas e do nanquim usados nas ilustrações. A partir deles, surgem os tecidos em organza, couro, zibeline, adornados por zíperes e plissados, que conferem mais complexidade e beleza às peças.

A equação que soma riqueza de detalhes, precisão e objetividade é suavizada com traços orgânicos, um contraponto à matemática exata do design – o zíper pode dividir um item em dois, em uma simetria impecável, mas também aparece desconstruído em formas fluidas.

 

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Foto: Mariana Rodrigues

Clara Andrade criou a coleção Mutação

Na vida em sociedade, os seres são igualmente regidos por modelos, padrões, normas, regras e leis. As formas de lidar com os estranhos e, consequentemente, com a diferença, é paradoxal. Tem-se construído maneiras de eliminação dessas diferenças através da construção de uma política de afastamento daqueles que são considerados estranhos ou fora dos padrões.

Inspirada por esses sentimentos, Clara cria em sua coleção uma nova maneira de ver o ‘diferente’ através de construções rígidas contrapondo com estruturas delicadas e perfurações orgânicas. Adaptações são criadas na utilização de tecidos e formas na busca de uma alternativa para a mutação, a ressignificação e a inclusão.

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Foto: Mariana Rodrigues

Carla Amorminio e O quinto elemento

Carla aborda o lado sombrio e agridoce do caos na coleção. Com foco na urbanização desordenada, no acúmulo e nos emaranhados da psique, a designer busca nos fractais uma geometria oculta de todos esses processos.

A busca pelos opostos se dá com shapes conflitantes e mistura de tecidos como seda pura, tule illusion, renda guipir e plástico. A paleta acromática mostra que, entre o preto e o branco, existem infindáveis tons possíveis e imprevisíveis. Os bordados realizados em grande quantidade representam o acúmulo e as androginias dos modelos são a linha-guia de toda a coleção.

Assim, a designer não teme falar do desconforto que o imprevisível nos causa e ousa sugerir uma nova definição de belo que emana dele. Que do caos nasçam flores!

 

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Foto: Luiza Ananias

Jéssica Hannuzi desenvolveu a coleção Tessituras em trânsito

 

A coleção discute o contexto do conforto do indivíduo urbano: proteção, mobilidade e multifuncionalidade. A designer utilizou-se do crescente interesse do ser humano por proteção para estabelecer paralelos entre a arquitetura, a moda e o gerenciamento da aparência.

Por meio de tiras de viés dublado presos por rebites, Hannuzi cria uma nova trama que se transforma adquirindo mobilidade quando vestida. Inspirada nas estruturas de proteção presentes na arquitetura urbana, a designer utiliza dessas tiras e de estampas para fazer alusão ao excesso de cercas e cadeados existentes nas propriedades. As diferentes texturas geradas pelo uso da organza e do suede remetem às diferenças sociais.

 

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Foto: Estúdio Caxapreta

Raquel Felicetti criou a coleção Identité

A coleção discute a perda e a reconstrução da identidade vivida em situações extremas, de conflito, de privação, de sofrimento.
Para lembrar, com a esperança de que jamais se repitam, ela aborda em três looks a evidência da nudez e a exposição do corpo.
O couro é usado para representar a pele e sua resistência.
O tricô de fios grossos e pesados, tecido em agulhas sob medida, remete à nudez forçada e ao incômodo causado por ela.
A coleção foi confeccionada em tons terrosos para remeter a todos lugares e a lugar nenhum, a vários conflitos e aos mais específicos, grandes ou pequenos, massivos ou particulares.

 

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Foto: Luiza Ananias

Luana Coutinho criou a coleção Pesada Leveza

 

A coleção aponta o tempo como conceito-chave para a contemporaneidade: por estar cada vez mais escasso, torna-se luxo. Caimentos e acabamentos traduzem, junto a tecidos criados manualmente, atenção principal especial a um tempo de delicadeza, exclusividade e dedicação, enfim, do único. O cuidado da textura até o forro indica a necessidade de leveza no nosso cotidiano, enquanto a predominância do branco refere-se ao passado, ao leve.

 

paula
Foto: Filipe Rivelli

Paula Lopes e a coleção Conecto

Paula destaca o minimalismo/maximalismo. É inspirada nas relações das pessoas com a internet e redes sociais e foi desenvolvida com processos tecnológicos e manuais. Com a intenção de abordar o tema sem cair no futurismo, a cartela de cores e tecidos foram escolhidos a dedo. Com tons sóbrios, tecidos nobres, corte e modelagem perfeita, a alfaiataria ganha novo sentido e se torna muito mais jovem por causa dos decotes e comprimentos. Conceitos como a rede, a tecnologia, o fio e a abertura são apresentados de forma clara nas peças.

A coleção Conecto é uma ironia ao intenso uso da internet na contemporaneidade, o uso indiscriminado das redes sociais, rede e smartfones. A mudança na rotina das pessoas que se tornam influenciáveis ou egocêntricas e que perdem horas do seu dia buscando wi-fi ou simplesmente uma tomada.

Salvar

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Fumec Forma Moda

Na próxima terça-feira, 21, será realizado o 23º FUMEC FORMA MODA, desfile de conclusão do curso de Design de Moda da Fumec que já faz parte do calendário fashion de Belo Horizonte.

A torre do Alta Vila será o cenário para a apresentação dos trabalhos de TCC dos 15 formandos.

É muito interessante, já fiz parte do corpo de jurados uma vez e tem trabalhos de muita qualidade e criatividade. Os desfiles contam com uma produção profissional, encampada por instituições e nomes conceituados no mercado. A coordenação geral e produção executiva está a cargo de Alessandra Martins, da Voltz Design.

A concepção do 23º Fumec Forma Moda é dos professores Antônio Fernando Batista dos Santos, coordenador do curso de Design de Moda, e Rosângela Brandão Mesquita. O projeto arquitetônico do conjunto montado no quarto andar do Alta Vila, incluindo a sala de desfiles, é assinado pela competente arquiteta Isabela Vecci.

A direção dos desfiles está sob a responsabilidade de Rodrigo Cezário e o stylist é de Cacá Zech.

Nos desfiles, o vestuário feminino predomina, destacando-se os segmentos de moda prêt-à-porter, casual e festa, beachwear e acessórios. Confira nas fotos.

 

Ficha técnica:

Coordenação geral, produção executiva, direção artística, identidade visual e design gráfico: Voltz Design
Direção geral: Alessandra M. Soares
Concepção: Antônio Fernando Batista dos Santos, Rosangela Brandão Mesquita
Direção de arte e técnica: Cláudio Santos Rodrigues
Designer: André Travassos
Produção: Renato Moura
Bordados: Antônio Fernando Batista dos Santos, Melina Marjorie (sttilus), Tereza Seabra
Assessoria de imprensa: Salamandra Comunicação/Heloísa Aline
Produção técnica: Mayko Youssef, Mylene Youssef Aziz Vieira
Direção de desfiles: Rodrigo Cezário
Coordenação de camarim: Alzira Calhau
Beauty: Cacá Zech
Projeto arquitetônico: Isabela Vecci
Video, cenografia e ambientação sonora: MIR AV Estúdio
Fotos: Cláudio Santos Rodrigues (capa), Fernando Biagioni (3×4)

ITC