Até onde leva a obsessão
Como não ficar chocada com o que aconteceu com Ana Hickmann, em Belo Horizonte, por um fã obcecado.
Sempre me incomodou o excesso de idolatria a artistas. Todos nós temos pessoas que admiramos. Cantores, atores, escritores, enfim, profissionais de qualidade que nos tocaram com o seu trabalho, de forma que passamos a gostar deles, consumir o seu produto. Compramos discos, filmes, livros.
Vamos ao cinema assistir determinado filme em função de quem escreveu o roteiro, por causa do diretor ou de algum ator que está no elenco. Podemos até ir porque alguém indicou, mas esse “alguém” é especial, tem conteúdo, confiamos em sua avaliação, ou seja, admiramos esse “alguém”.
Quantas pessoas pagam caro para assistir a um show de sua banda favorita? Qual o problema? Porém, acho muito quando vejo moças se descabelando na fila do gargarejo por causa de um artista. Isso ultrapassa qualquer admiração.
Certa vez, quando trabalhava na editoria de Cultura, fui escalada para acompanhar uma banda em sua turnê por algumas cidades mineiras. Viajei com os rapazes e ficava nos bastidores durante as apresentações. Uma vista privilegiada da banda e da plateia. Impressionante. As meninas mandavam de tudo no palco, desde bichinhos de pelúcia a bilhetes e calcinhas. Se os integrantes quisessem, “pegariam” qualquer uma, fácil. Isso faz tempo, imagina hoje, que as meninas estão bem mais atrevidas, o que não deve estar rolando.
Quando produziam o Pop Rock em BH, minha filha pediu para levá-la. Mais para atender uma amiga que era fã do Charlie Brown Jr. do que por ela mesma. Lá fui eu, atender seus desejos. Na hora da banda consegui sair do camarote e chegar no cockpit. A amiga dela surtou. Berrou, descabelou, chorou, sapateou. Quando vi, minha filha estava gritando também. Que raiva! Segurei as pontas. Depois da apresentação fomos ao camarim, tiraram fotos – graças a Deus comportadamente –, e voltamos para o camarote.
No dia seguinte, tive uma conversa séria com minha filha. Expliquei que poderia ter admiração por quem fosse, mas de forma racional. Afinal, todo mundo era gente como nós. Ninguém é melhor do que ninguém. Chorar, gritar e descabelar como sua amiga, por ninguém. Adorar, só a Deus. Ela compreendeu o que eu disse.
Esse limite falta em muita gente. E a admiração vai extrapolando, vira obsessão, loucura e pode dar no que deu como no caso de Ana Hickmann, que sempre foi uma artista mais discreta. Nunca quis aparecer, se exibir. Imagino como deve estar se sentindo, depois de ter sido agredida dessa forma, sendo referida por palavras tão vulgares.
Ouvi uma entrevista da mãe de Rodrigo, o agressor, dizendo que o filho não iria fazer mal a ninguém. Imagino a dor que esta senhora deve estar sentindo. Perder um filho dever ser uma das coisas mais dolorosas que podemos passar. Com todo o respeito à sua dor, ninguém se hospeda em um hotel com nome falso – ele apresentou cartão de crédito do pai –, armado, rende uma pessoa, faz três reféns e manda ficar de costas, se não quer fazer mal a ninguém.
Tudo foi premeditado. Fruto de uma obsessão cultivada e alimentada por anos de idolatria a uma pessoa. Este é o grave risco que corre uma mente fraca, que leva a confundir admiração com amor e gera a obsessão.
É o que disse Alexander Correa, marido de Anna Hickmann: “Não conhecíamos o mal, agora conhecemos o mal, a paranoia, o medo.”
Isabela Teixeira da Costa