Presépio do Pipiripau reabriu

O presépio. Foto Tati Motta
O presépio. Foto Tati Motta

O Presépio do Pipiripau é a coisa mais linda, de uma delicadeza e singeleza que emociona a todos.

Ontem, eu realizei um dos meus grandes sonhos: conheci o Presépio do Pipiripau. Demorou 56 anos, mas consegui. Fiquei sabendo, quando li no Caderno de Cultura do Estado de Minas, que ele seria reinaugurado na manhã de ontem, depois de ficar fechado por cinco anos, para ser restaurado. Não tive dúvidas, fui junto com o fotógrafo do jornal.

Quando cheguei lá, já estava desligado. Meu colega, o repórter Gustavo Werneck, que tinha chegado mais cedo, disse que já tinham ligado e que até o trovão tinha funcionado. Fiquei enlouquecida, tinha que ver aquilo tudo. “Gustavo, pede para alguém ligar de novo”. Ele pediu e depois de várias entrevistas, religaram.

O presidente da Unimed BH, Samuel Flam, a neta do S. Ramundo, Lúcia Ramos, e o diretor da Unimed BH, Paulo Pimenta
O presidente da Unimed BH, Samuel Flam, a neta do S. Ramundo, Lúcia Ramos, e o diretor da Unimed BH, Paulo Pimenta

A emoção foi tão grande que me senti como criança novamente. Encantada, examinando minuciosamente cada cena da vida de Jesus, desde o seu nascimento, até a sua ressurreição. Cada detalhe, movimento, e embalada pela música repetitiva entoada pelo barulho do mecanismo da maquinária.

Estava embevecida. Era como se não existisse mais ninguém comigo naquela sala, e olha que tinha era gente, um batalhão de repórteres, cinegrafistas, fotógrafos e os responsáveis por tornar possível o restauro de uma obra tão linda e importante para a cultura da cidade.

Não me perguntem por que nunca tinha ido lá, nem eu mesma sei. Primeiro, porque minha mãe nunca me levou. Seu Raimundo Machado, o criador do Pipiripau começou a construí-lo em 1906, aos 12 anos de idade, e terminou em 1988, ou seja, eu já estava com 28 anos e poderia ter ido sozinha, mas nunca soube como chegar lá, como entrar. Sempre quis levar minha filha, e nunca o fiz.

Há uns cinco ou seis anos, comecei a namorar uma pessoa que morava lá perto e quando chegou a época do Natal pedi de presente que me levasse para ver o presépio e ele me deu a triste notícia que tinham acabado de fechá-lo para recuperação. Fiquei arrasada. Por três anos, pedia a mesma coisa, e nada. O namoro terminou há alguns anos e hoje consegui, finalmente, realizar meu sonho, e valeu a pena.

A filha do S. Raimundo, Maria Luiza Machado
A filha do S. Raimundo, Maria Luiza Machado

Depois que saímos, conheci a neta do Seu Raimundo, Lúcia Ramos; a filha dele, Maria Luiza Machado. Fiquei ali fora assistindo a apresentação de Maurício Tizumba, mas queria voltar lá, estava encantada demais. Não tinha sido o suficiente, e quando entrei novamente na sala do Pipiripau estavam fechando tudo e ligaram o trovão. Que coisa emocionante. Foi possível sentir o peso do momento da morte de Jesus.

Seu Raimundo era um craque, em todos os sentidos. Em uma época em que não se falava de sustentabilidade e de reciclagem construiu todo o presépio – 586 figuras, cerca de 3 mil objetos e 45 cenas – em argila e papel machê, conchas e outros materiais. Arrematando o presépio uma barra de “quinquilharias” como moedas, botões, molas, dobradiças, chaveiros, fecho éclair, correntes, rote dentário, enfim, tudo o que ele achou pelo caminho.

Era persistente e tinha uma cabeça borbulhando de criatividade, levou 82 anos construindo o Pipiripau, de 1906 a 1988. E passou seu conhecimento para o Manoel, para que quando ele faltasse alguém soubesse cuidar de sua obra. E Manoel ensinou Carlinhos, que hoje é quem cuida da maquinaria do presépio, e que, com certeza, já está à procura de um aprendiz para ensinar o ofício.

Temos que agradecer a restauração ao professor da Escola de Belas Artes da UFMG, Fabrício Fernandino, incansável nesta conquista, e à professora Bethânia Reis Veloso, que visitou o presépio pela primeira vez aos 5 anos de idade e coordenou toda a restauração.

O Instituto Unimed de Belo Horizonte teve a sensibilidade, abraçou a causa e patrocinou a restauração do presépio, investindo R$ 565 mil. Vale ressaltar que o Instituto é mantido pela doação dos médicos conveniados e dos funcionários. Este grupo se uniu para devolver para Minas Gerais um dos seus bens culturais mais valiosos, a obra da vida de um homem, que, com 12 anos de idade começou a construir um sonho e aos 94 anos de idade deixou a obra de sua vida de presente para todos nós.

Muito obrigada a todos que ajudaram a devolver o Pipiripau mais lindo ainda.

Vejam as fotos.

Serviço

Visitação

Quartas, quintas e sextas – 11h e 16h

Sábados e domingos – 11h, 12h, 15h e 17h.

Local: Museu de História Natural da UFMG

Rua José Cândido da Silveira, 1035, Bairro Santa Inês

 

Isabela Teixeira da Costa

Arte popular

A beleza da arte popular brasileira da Ilha do Ferro

Mesmo quem nunca ouviu falar da Ilha do Ferro na imensidão do Rio São Francisco, certamente irá se encantar ao conhecer de perto o artesanato e as esculturas produzidas pelos artesãos simples que vivem lá. Fernando Rodrigues dos Santos, nascido em 1928, conhecido como “Mestre Fernando”, foi o primeiro artesão da ilha, que depois tornou-se um celeiro em arte popular. Ele é considerando por historiadores, colecionadores e críticos, um dos mais importantes artistas populares do Brasil. Hoje, já falecido, continua fazendo sucesso mundialmente com suas inovadoras criações, que chegam a custar de R$ 15 mil a R$ 22 mil. Usando o movimento dos galhos de árvores de mangues, raízes e troncos, criava esculturas e móveis exuberantes e escrevia nas peças personalizando cada uma. As cadeiras criadas por ele assumem um aspecto singular, umas com três pernas, outras com cinco, nenhuma com padrão convencional de móveis.

Iniciou-se no mundo das artes na oficina de fabricar tamancos do pai. Aos 40 anos, construiu uma espreguiçadeira, sua primeira peça de mobiliário. Em 1980, construiu o Bar Redondo, que deu início à sua carreia de escultor e designer de móveis cujas mesas e bancos pareciam esculturas. Expôs no Museu de Arte Popular da Paraíba e na Casa Cor de São Paulo, em 2001, com prêmio para o ambiente do designer Arthur Casa, com a cadeira de três pés e espaldar alto. Uma cadeira do artesão foi exposta na feira de Art-Madrid, Espanha, o que chamou atenção de admiradores de design e colecionadores de todo o mundo.

Uma exposição montada na Loja Inside Mobiliário, com a curadoria de Orlando Lemos – um dos maiores conhecedores e colecionadores de arte popular de Minas –, nos deu o privilegio de ter acesso a algumas peças deste fantástico artista.

Essa é a história de um artesão semianalfabeto, da Ilha do Ferro, que conseguiu criar e desenvolver “design popular brasileiro” com a mesma qualidade e talento dos designers famosos internacionais.

 

“Beija-flor da margem do ribeirinho da praia do amor.

Ele está beijando as árvores todas cheias de flor”

  1. do   AL – F.R.S

 

Flávia Freitas