Câncer, tratar ou acompanhar?
Em janeiro, a revista Veja publicou matéria que, se não for polêmica, é um tanto perturbadora, e dividindo opiniões: Ela expõe a crescente tendência mundial de não tratar certos tipos de câncer, optando pela observação e sem aplicação imediata de procedimentos como cirurgia, radioterapia e quimioterapia.
Insistimos em dizer que tal conduta só pode ser adotada em determinados tipos de câncer, aqueles reconhecidamente menos agressivos, como alguns detectados na próstata e na mama, por exemplo.
Na referida matéria há depoimentos de quem não aceitou a proposta e exigiu o tratamento, como também declarações de pacientes que aceitaram o acompanhamento médico e vivem muito bem, sem o avanço da doença e sem enfrentar as sequelas e efeitos colaterais da cirurgia ou do tratamento agressivo que a maioria de nós conhece tão bem.
Como diz o ditado “cada macaco no seu galho”. Sendo assim, consultei dois dos melhores oncologistas de Minas Gerais para ouvi-los sobre o tema. Dessa forma, os leitores poderão tirar suas conclusões e formar as próprias opiniões.
Renato Nogueira, coordenador do Instituto Felício Rocho de Oncologia e da clínica oncológica daquele hospital, afirma: “Quando nos vemos diante de um paciente portador de câncer, a conduta tende a ser inflexível: remoção das células indesejáveis por meio de cirurgia, seguida ou não de tratamento complementar. Cada caso deve ser analisado criteriosa e individualmente. Contudo, a prática intervencionista vem merecendo reflexões e questionamentos como: quando um câncer não é verdadeiramente um câncer? O carcinoma ductal in situ (CDIS) de mama, por exemplo, é geralmente considerado uma lesão não obrigatoriamente precursora de câncer invasivo, mas seu risco de transformação maligna permanece obscuro. Pesquisas indicam que cerca de 20% a 30% das portadoras desta lesão inicial irão desenvolver câncer de mama invasivo. Assim, os principais objetivos do tratamento destes casos são minimizar o risco do tumor. O manuseio do CDIS de mama permanece controverso – vai de excisão local, com ou sem radioterapia, à mastectomia bilateral”.
A caracterização molecular desta neoplasia, informa Nogueira, exerce papel fundamental na decisão terapêutica. “Devem-se considerar também os impactos psicológicos e sobre a qualidade de vida, consequentes do diagnóstico e tratamento. Outra situação delicada diz respeito ao diagnóstico de câncer de próstata; no caso do paciente jovem, tendo a recomendar uma abordagem mais agressiva, visto que ele geralmente tem uma boa e longa expectativa de vida. Já no caso do mais idoso com características biológicas tumorais favoráveis, ou aquele que apresenta comorbidades impeditivas de tratamento mais invasivo, tendo a ser mais conservador e até mesmo, a adotar uma conduta observacional, que envolve controles oncológicos rigorosos e periódicos”, completa.
Para Renato Nogueira, a conduta expectante nunca pode ser generalizada e deve ser empregada em casos de prognósticos muito bons, com rígido e periódico controle, independentemente do tipo de localização do tumor.
Para Enaldo Melo de Lima, chefe da Oncologia do Hospital Mater Dei, essa é a realidade para muitos tipos de câncer menos invasivos como o de mama, intestino e alguns casos que surgem no pulmão. “Fazemos só a cirurgia de retirada e o exame patológico. Em certos casos, temos que fazer o tratamento pela patologia da doença, e cada tratamento é de uma maneira”, explica. Segundo Enaldo, tem os tipos de câncer mais agressivos que devem ser tratados, não podem simplesmente ser retirados e depois observados.
“O que nos ajudou muito foram os exames de biologia molecular. Com o resultado deles é possível saber quem deve receber tratamento, quem pode ser observado e que tipo de tratamento adotar, se mais agressivo ou menos agressivo”, relata. “Às vezes fazemos só o acompanhamento, sim. Isto tem sido aplicado aqui há cerca de sete anos, mas não abrimos mão de fazer a cirurgia de retirada”, conclui o especialista. (Isabela Teixeira da Costa/Interina)
Crônica publicada no Caderno EM Cultura, 5/2/16, na coluna da Anna Marina