90 anos não é para qualquer um
Hoje, minha mãe completa 90 anos. Longevidade é bênção de Deus.
Sempre fui muito grudada na minha mãe. Talvez por eu ser a caçula, talvez por sempre nos darmos muito bem, ou simplesmente por excesso de amor. Meu pai sempre teve uma grande preferência por minha irmã e acho que com isso, minha mãe tentava compensar, ficando mais do meu lado, para equilibrar um pouco o jogo da afetividade paterna.
Foi ela quem nos ensinou os primeiros passos com Deus. Não abria mão de nos levar à Primeira Igreja Presbiteriana, na Praça ABC, todos os domingos pela manhã. Não tinha coré coré. Tínhamos que acordar cedo e ir para a escola dominical. Só quando completávamos 11 ou 12 anos é que ela relaxava e nos dava o direito de escolha. Todos nós decidíamos não ir, porque naquela época estudávamos também aos sábados, então só tínhamos o domingo para dormir até mais tarde. (Foi ali na igreja que fiz uma das minhas grandes amigas, a Sandra Botrel. A gente se conheceu no berçário e somos amigas até hoje.)
Já fiz mãe passar muita vergonha. Desde pequena falo mais do que deveria. Ela me ensinou que não podemos mentir que mentira é pecado (e é mesmo), então eu falava tudo. Certa vez, estava negociando um fusca. Tinha ido a uma loja – não lembro se concessionária ou de revenda –, e o moço avaliou o carro. Depois foi um rapaz lá em casa para comprar o carro. Minha mãe queria Cr$ 17 mil (não lembro a moeda da época, mas vou dizer que era cruzeiro). O moço só queria dar Cr$ 15 mil.
Aí ela disse que o outro moço (o da loja) tinha oferecido os Cr$ 17 mil. Pra quê, eu, do alto dos meus 8 anos, entrei na conversa e disse: “Não mãe, o moço disse Cr$ 15 mil”. Ela completou: “Não filha, isso foi no início, depois ele ofereceu os Cr$ 17 mil”, isso em um tom e com um olhar querendo me fuzilar. Porém, eu completei (afinal, não podia mentir): “Não, ele disse Cr$ 15 mil e nem um centavo a mais”.
O moço foi embora, mãe queria me matar, mas não podia fazer nada, afinal, eu estava fazendo o certo, não a estava deixando mentir. E nunca mais me deixou presenciar nenhuma negociação. Nunca fiquei sabendo por quanto ela conseguiu vender o carro.
Em outra ocasião, uma grande amiga de minha mãe, colega de colégio a vida toda e quando jovem tinha sido Miss Manhuaçu, foi com sua filha lá em casa. Queria ajuda de mãe para comprar vestidos, etc, para a filha que era Miss Manhuaçu. A moça era alta, corpo muito bonito, porém de rosto não era bonita. Sua mãe, por sua vez, continuava linda. Não esqueço sua fisionomia até hoje. Bela, elegante, alta, esguia.
Minha mãe ficou muito alegre em recebê-las e ajudá-las. Quando meu pai chegou em casa, contou o caso e disse que a moça não era bonita. Disse a verdade. No dia seguinte, a amiga de mãe retornou sozinha. Lá estava eu. E mãe foi elogiar a miss. Pra quê? “Sua filha é muito bonita, disse ontem para o Camilo”. Entrei no meio da conversa. “Disse não, mãe. Você falou que ela não era bonita. Que a mãe dela é que continuava linda”. Provoquei uma inimizade de anos.
Tempos depois, a tal amiga liga para mãe. Acho que o tempo cura tudo, ou então a vingança é um prato que se come frio mesmo. No meio a conversa informou que os netos estavam fazendo o maior sucesso como cantores. Ela é avó da dupla Victor e Leo. Para mãe não adiantou muito, porque não conhecia os rapazes. Mas o telefonema serviu para retomar a amizade. Os rapazes têm de onde puxar a beleza.
Moramos juntas grande parte da vida, ela me ajudou a criar minha filha Luisa, já me tirou de muitos apertos. Também cuidei muito dela em todas as suas doenças. Quero aproveitá-la ao máximo, enquanto puder.
Que venham ainda muitos aniversários.
Isabela Teixeira da Costa