Visita inoportuna

George Hardy com o amigo Fernando Pacheco

Tem gente que não em noção de limite e faz o que bem entende. Isso, normalmente causa grandes transtornos.

Recebi alguns textos escritos por meu primo George Hardy. Achei um tão interessante que decidi postar aqui. Mais um caso de família.

George Hardy

Todos nos espelhamos em algum momento em uma pessoa que admiramos ou tentamos nos igualar como a um herói. No meu caso, tento em certas circunstâncias, adotar medidas tais quais as das pessoas que admiro tomaria, talvez, por este motivo, me tornei artista plástico tendo como referencia minhas amadas e queridas tias que eram pintoras amadoras e incrivelmente divertidas, as minhas saudosas tias Lygia, Yayá e Regina.

Tia Lygia

A tia Lygia era muito engraçada e por esse motivo ia muitas vezes visitá-la em sua casa no Bairro Santo Antônio para ouvir seus casos e sua versão infernal da Bíblia. Na sua residência existia um painel pintado por ela que cobria toda uma parede de um dos quartos, de uma singeleza ímpar, onde estava representada a fuga de José e Maria levando Jesus Cristo, ainda bebê, para livrá-lo das garras do impiedoso rei que queria matar todas as crianças nascidas naquela época. Na pintura José é retratado puxando um diminuto e desproporcional asno azulado em relação ao tamanho da Virgem e do menino por uma estrada margeada de flores silvestre, rodeados por pássaros, borboletas e anjos. Uma maravilha.

A saudosa tia Yayá tinha outros predicados e não era menos gozada que a outra, se ligava mais a desenhos, coisa menos trabalhosa para seu enorme peso, tinha uma mente brilhante e era uma crítica feroz da arte dos outros e personagem de centenas de casos inacreditáveis.

Tia Regina não era menos talentosa, pelo contrário, cozinhava, dava aulas de prendas domésticas e pintava muitos quadros tendo como tema rostos de Jesus Cristo com a coroa de espinhos, cabelos e barbas salpicados de sangue.

Tia Regina

Certa ocasião, Fábio Rabelo um médico muito distraído, casado para o que desse e viesse com Branca Luiza (minha querida madrinha) tendo alugado uma casa espaçosa na praia de Cabo Frio convidou as minhas heroínas para passar as férias com ele no local. Acredito que elas não deviam ser muito chegadas a andar na areia da praia e muito menos se disporem a usar de maios, deviam aproveitar as férias percorrendo alegremente o comércio, as feiras e lojas de doces e a tarde passearem de carro visitando outras praias.

Um dia, Fábio lembrou-se que um amigo ou cliente, famoso pintor de marinhas, não só morava como tinha seu atelier na cidade e propôs fazerem uma visita ao artista que foi aceita entre palmas e vivas.

Fábio telefonou para o amigo pedindo permissão para visitá-lo sabedor que o tal artista não era dado a receber visitas. O mestre pintor de fama internacional não somente aceitou a visita pedindo ao Fábio para conhecer suas últimas pinturas que iriam percorrer vários Museus da Europa em exposição e, que, estavam, após meses de trabalho, prontos para serem embrulhados e despachados e queria uma opinião leiga. Maciê o mestre das pinturas de marinhas brasileiro, levava meses trabalhando em uma única obra, pintava um fundo, passava uma camada de verniz, deixava secar e continuava camada após camada até a pintura chegar no ponto certo de uma espetacular profundidade. Por este motivo, tinha de pintar várias telas ao mesmo tempo, enquanto uma secava, trabalhava em outra. Para a exposição tinha pintado de uma vez dez telas que ainda estavam em cima dos cavaletes em seu ateliê.

Tia Yayá

Suas obras primas são reverenciadas e reconhecidas por retratarem uma marinha muitas vezes desolada e sombria com um céu coberto de nuvens ou usa como tema um conjunto de conchas, um siri. Com essa temática é um dos pintores mais valorizados do Brasil.

Recebeu o Fábio um pouco desconfortável pela companhia do grupo de acompanhantes que não esperava, mesmo assim, permitiu o acesso de todos no seu ateliê onde entre risinhos e cutucadas minhas tias cochichavam suas opiniões. Vistos os trabalhos, Fábio e o anfitrião passaram as vias do fato indo saborear uns drinques na cozinha esquecendo-se das dignas senhoras no local da improvisada mostra de quadros.

Sozinhas não tinham alternativa se não de criticar as obras que foram unânimes em admitir a falta de alegria, sol, gente. Não houve combinação prévia, apenas motivadas por suas veias artísticas arregaçaram as mangas e cada uma começou a corrigir os defeitos que as incomodavam.

Tia Lygia fiel ao seu tema predileto acrescentou em uma das telas a fuga de José, Maria e do menino Jesus. Tia Yayá, motivada por sua incontrolável fome inseriu em uma tela uns carrinhos de vendedores ambulantes e crianças chupando picolé, pensava com muita justeza que: não existe praia digna deste nome sem criança chupando picolé.. Tia Regina não deixou por menos, acrescentou um Jesus andando sobre as águas indo em direção a um barco pesqueiro.

Ao se darem por satisfeitas se afastaram dos quadros mexidos para uma ver o resultado da inserção uma da outra. Só então perceberam a barbaridade do que tinham cometido. Assustadas, saíram de fininho da casa, pegaram um taxi e foram embora.

Nesse ínterim, o anfitrião e a visita deram por falta das outras visitas após tomarem algumas doses e, como tinha saído da cozinha uns tira-gostos, foram chamá-las para o lanche. Ao se depararem com as intervenções artísticas, Maciê quase teve um troço, Fabio deu um tremendo tapa na testa e cagou nas calças temendo pelo prejuízo que teria tendo de comprar as telas danificadas. Não sei o fim da história e do acerto feito pelos dois amigos, apenas deduzo que o Maciê deve ter ficado inimigo do Fábio.

Ao chegarem em casa trocaram acalorados comentários e criticas ao trabalho do artista até chegarem a conclusão que tinham ensinado aquele pintor metido a besta umas coisinhas que ele não sabia de como se pintar uma marinha. Faceiras, continuaram as férias visitando o comércio e lojas de doces para saciar a fome de Yayá, saindo de casa cedo e voltando tarde da noite, fugindo do Fabio.

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