Fim de ano, vamos pensar no tempo

Hoje, acaba 2017 e à meia noite começa o ano de 2018. O que fizemos com o nosso tempo, e o que faremos com ele?

Nesta época, não tem como deixar de pensar o que fizemos com o nosso tempo no ano que termina e o que faremos com ele no ano que se inicia. Já disse outras vezes aqui que há três coisas que não voltam atrás e por isso devemos aproveitá-las muito bem e ter muita responsabilidade ao usá-las: a flecha lançada, a palavra dita e o tempo (ou a oportunidade) perdido.

Gosto muito do filósofo, escritor e professor Mário Sérgio Cortela e minha amiga Iáskara Garcia e mostrou uma publicação dele no Facebook, por sinal, sua única página em redes sociais. Desde então passei a segui-lo. Cortela publicou nos últimos dias dois posts muito bons sobre o tempo, pensando sobre o tempo. Foram comentários em seu programa na CBN, que faço questão de transcrever aqui.

“Vamos pensar um pouco sobre tempo perdido, a ocasião escapada. Dizemos uma frase muito forte do nosso cotidiano: ‘agora é tarde’. Claro, nunca é tarde de fato, exceto para aquilo que não tem mais reversibilidade. De maneira geral, na nossa existência, é sempre possível continuar, fazer, voltar. Quando o final do ano se aproxima nós pensamos bastante em relação a isso porque a mudança  formal de tempo,  de contagem do tempo, nos faz pensar sobre o uso do tempo e até mesmo sobre o desperdício do tempo. Por isso, a ideia de tempo perdido nos leva a refletir e pensar. Um dia, o peta francês Paul Verlaine, em poema Sabedoria, de 1880, escreveu: “tu que aí choras, o que é que fizeste da tua mocidade?”. De novo Verlaine, “diz a verdade: tu que aí choras, o que fizeste da tua mocidade?”. Claro que quando se refere à mocidade não é apenas alguém com uma idade menor, mas a uma circunstância da vida, à energia, à vibração, à capacidade de ser intenso em tudo aquilo que faz. Não é uma mocidade de faixa etária, mas a capacidade de vibrar na vida, de não desperdiçar o tempo, de saber que a vida traz perturbações, mas não traz só isso; traz dificuldades, mas não é só isso. E por isso volto em Verlaine, e o mais difícil é o início da frase: “tu que aí choras”. É tempo para o conhecimento.”

Essa chacoalhada que Cortela nos dá é fundamental neste período. Quanto tempo vamos chorar pelo que deixamos passar sem nada fazer? Quanto tempo ainda vamos demorar para perceber a importância de dar o devido valor ao nosso tempo? Estamos recebendo mais uma oportunidade para fazer tudo diferente.

Em um outro programa, para a mesma rádio, Mário Cortela lembra da época em que não existia internet. Eu sou dessa época. Usávamos agendas e todo fim de ano era um suplício ter que passar a agenda a limpo, transcrevendo para a do ano seguinte os contatos e telefones das pessoas importantes para nós, em todos os sentidos. Nunca vi um comentário tão verdadeiro. Hoje, nossos celulares estão cheios de contatos, a maioria deles não conversamos há mais de três ou quatro anos. Vejam:

“Saudade persistente, o desprezo permanente. Parece contraditório, saudade de um lado e desprezo de outro, mas tudo isso tem a ver com a nossa memória. Tanta gente a lembrar na vida, tanta gente a esquecer. Houve um tempo, antes de existir o mundo digital, que nós, quase no final do ano, início do novo, começávamos a passar a limpo a agenda, especialmente a agenda de telefones, que às vezes era um caderno separado que se guardava, mas muitas vezes estava junto da agenda diária. A gente tinha que ir alterando. Isso sempre foi um esforço, porque numa agenda que se fazia por escrito, na hora dos telefones você tinha que decidir quem ia continuar na sua agenda no ano seguinte, isto é, quem continuaria no seu mundo de relações e quem seria retirado por ter falecido ou por não ser mais “merecedor”. Havia um processo seletivo até em relação à própria condição e à própria memória. Aquilo que a gente quer esquecer e o que queremos renovar. Por isso, Belmiro Braga, um poeta mineiro que nasceu em 1872, em sua obra chamada Redondilhas, escreveu: “quantos mortos trago vivos no fundo do coração, e dentro de mim quantos vivos, há muito mortos estão”. Direto, percuciente, fundo, a noção de uma memória que também é seletiva e na hora da renovação dos nossos afetos é preciso entender daqueles mortos que continuam conosco vivos, e aqueles vivos que em nós já mortos estão porque não merecem mais. Assim é o não merecimento.”

Acho que não preciso dizer mais nada, e termino com mais uma trova de Belmiro Braga:

“Fiz na vida o meu escudo

Desta verdade sagrada:

– o nada com Deus é tudo

E tudo sem Deus é nada”

 

Feliz 2018 para todos!

 

Isabela Teixeira da Costa

 

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